Expedição


A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA DE 1881 À SERRA DA ESTRELA





A HISTÓRIA


No Verão de 1881, Hermenegildo Capelo era já meia lenda. Lisboa recebera-o em triunfo no ano anterior, quando ele regressara de África com Roberto Ivens. Tinham feito metade do continente na horizontal, faltava a linha toda, de Angola a Moçambique, o que veio a acontecer poucos anos depois. Mas pelo meio, nesse Verão, coube a Capelo conduzir uma outra expedição a paragens lendárias, misteriosas, quiçá mortais: a Serra da Estrela.

O projeto foi apresentado aos membros da Sociedade de Geografia de Lisboa pelo fundador, Luciano Cordeiro, com os argumentos científicos de Sousa Martins, que ainda não era um santo laico, mas já tinha grande reputação enquanto médico. Sonhava curar a tuberculose, vulgarmente conhecida como tísica, então fatal. Nos Alpes haviam-se multiplicado sanatórios, comprovando a eficácia das alturas, e Sousa Martins queria fazer da Serra da Estrela uma Davos. Seria a montanha mágica portuguesa, quando Thomas Mann ainda nem imaginara o livro (até porque tinha só seis anos). Mas a ideia da expedição estava longe de se restringir à Medicina. O céu era, de facto, o limite.

Pelas 20 horas e 15 minutos, partia da Gare do Norte de Lisboa (Santa Apolónia) um grupo de 42 expedicionários entusiásticos com a expectativa de uma viagem exploratória à Serra da Estrela, região ainda desconhecida, selvagem e, em grande parte, desabitada, que encerrava em si mistérios e mitos. Nas vinte e três carruagens seguiram para a Serra laboratórios completos, com os equipamentos e instrumentos científicos de cada secção especializada, alguns deles construídos e adquiridos expressamente para a missão. 

Reuniu-se na Serra a maior concentração alpinista-cientista de que havia memória em Portugal: com luminárias de Agronomia, Arqueologia, Química, Botânica, Hidrologia, Medicina, Meteorologia, Zoologia, Etnografia, Geologia e, novidade, Fotografia. Seriam quinze dias para o avanço da ciência, do país, do mundo, isso teria de ser registado por todos os meios disponíveis. Portanto, um repórter, Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, integrava a expedição.

Vindos de Lisboa, Porto ou Guimarães com laboratórios portáteis, máquinas e aparelhos montados para a ocasião, os cem sábios juntaram-se aos guias pastores e auxiliares locais no acampamento geral no Planalto Superior, perto da Torre: no dia 3 de Agosto de 1881. No abarracamento da cumeada da serra, cada expedicionário encontraria uma maca de bordo e duas mantas, para cama; uma bacia de barro para lavagem; uma marmita para ração de cozinha; um cantil para ração de vinho.

Apesar de ser Verão, tanto era o medo do frio que iam atafulhados de camisolas, “toda a lã de um rebanho em cima de nós!”, descreveu Eduardo Coelho. “Pôr sobre isto revólver para lobos, toucinho para as víboras.” Entre feras e desconhecido, era uma África nas alturas. Pelo sim, pelo não, Sousa Martins usava um barrete verde de campino.

Havia um regime alimentar rigorosamente militar, e todos à partida foram prevenidos: “Que os gastrónomos, se alguns vão, não criem ilusões. Hão-de contentar-se com um singelo rancho e rações. Haverá alvorada e silêncio a toque de corneta.” Todos os dias chegavam notícias a Lisboa. O Diário de Notícias fazia o relato pormenorizado passo a passo, com as informações dos telegramas postais e das crónicas de Eduardo Coelho enviados de Seia.

Os dias sucedem-se, os expedicionários percorrem a pé vários quilómetros, vencendo desfiladeiros e gargantas serranas. Apenas sossegam quando dormem de noite. Num ambiente de alegre camaradagem, as diferentes secções consomem o tempo, pesquisando, recolhendo, medindo e fotografando os elementos. A secção médica destacava-se, pela concorrência de visitantes, pelos instrumentos científicos e pela singularidade de Sousa Martins que, de barrete verde de campino, fazia clínica, observações, experiências e cirurgias aos aldeões que a ele se acercavam.

As excursões apresentavam-se surpreendentes, sobretudo a das lagoas, com a desmitificação da lagoa Escura, antes imaginada sem fim, a comunicar com o mar. O grupo ficou extasiado pela posição das mesmas, “separadas uma da outra por uma faixa de granito de alguns metros de extensão, contornada por zimbros formosos”, num cenário de uma beleza notável, e sem “monstros do abismo e o mouro encantado”, figuras que povoavam a imaginação dos cientistas antes experiência pioneira.

Mas o rigor científico não convenceu os serranos...  as lendas perduraram e perduram até hoje na crendice dos pastores que ainda se aventuram nos lugares mais remotos e míticos da Serra... “os antigos diziam, e eles lá bem sabiam, que as lagoas não têm fundo...”

A Serra é, hoje, muito mais que o manancial de informação que essa experiência científica nos deixou e que, nestes dias, recriamos, também com aventura, para vos dar a viver experiências únicas, envoltas na nobreza das paisagens, nas encostas vertiginosas, nas lagoas e das pedras esculpidas, nos vales glaciários, nas águas cristalinas, na pureza do ar e no silêncio profundo na Serra mais icónica e misteriosa de Portugal.

 

(inspirado em textos de Alexandra Lucas Coelho e Helena Gonçalves Pinto)



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